Filosofia e Teologia da Libertação
Domênico Costella
Curitiba, IFIL, 1997
Em muitos ambientes, acadêmicos ou não, veicula-se a idéia de que filosofia e teologia da libertação são o mesmo discurso ou, estrategicamente, o preconceito de que a filosofia da libertação é cristã demais, por parte de alguns ou marxista demais, por parte de outros. E assim já fica liquidada a discussão.
Evidentemente o contexto, no qual surgiram a teoria e praxis libertadora é o mesmo. Por volta dos anos 60 o ser latino-americano é compreendido a partir do binômio dependência-libertação. A primeira expressão teórica desta interpretação essencialmente política do ser latino-americano aparece no campo das ciências sociais - teoria da dependência. Outras expressões, marcadas por esta teoria, se desenvolvem, a partir de 68: no campo da educação, a "pedagogia do oprimido" (Paulo Freire); no campo da teologia: Gustavo Gutierrez e outros teólogos latino-americanos elaboram a "teologia da libertação". Ela utiliza, em nível de mediações analíticas as ciências socias e teve o grande mérito de se confrontar com o marxismo e os seus desafios; mas o ponto de partida, o horizonte e a praxis libertadora encontram o seu significado profundo a partir da fé cristã. A teologia é "intellectus fidei", caracterizada por um determinado espaço histórico e cultural. A TdL tenta responder a este desafio: como acreditar em Deus num continente, marcado por extrema pobreza e exclusão social? Acreditamos no Deus de êxodo e no do Faraó? A fé e a praxis dos cristão o que tem a contribuir com o processo de libertação dos pobres latino-americanos?
A filosofia da libertação nasce e se desenvolve no mesmo contexto, mas com categorias próprias e no horizonte da racionalidade. Salazar Bondy pode ser considerado o precursor imediato da problemática, no livrinho: Existe una filosofia de nuestra América? (1968), retomada por L. Zea e por um grupo de jovens filósofos argentinos, os quais na revista "Nuevo Mundo" debatem a questão da filosofia latino-americana, dando origem ao movimento da filosofia da libertação, que ultimamente, sobretudo per mérito de E, Dussel se impôs ao diálogo da filosofia européia e norte-americana (K. O Apel, J. Habermas, P. Ricouer, R. Rorty etc.). A filosofia da libertação marca um ruptura ou corte epistemológico com a filosofia ocidental, sobretudo na versão do cogito moderno, conquistador e portador exclusivo do logos: "até poucas décadas atrás, una minoria da humanidade possuía o logos e os outros o tomavam emprestado" (Sartre).
A primeira tarefa da filosofia da libertação é a de esclarecer e justificar, na sua originalidade, esta tomada de posição fundamental, que é também uma escolha de vida. Ela coloca no coração da pesquisa filosófica uma escolha de justiça e de solidariedade - sente-se a influência do maior pensador ético do nosso século: E. Lévinas - a alteridade negada -, decididamente antagônica à que inspira atualmente o organização da sociedade e do mundo. Ela se coloca numa sociedade onde o povo não é sujeito de sua história e num mundo onde, a maioria dos povos ainda não alcançaram a condição de sujeitos libertos e autônomos.
A filosofia da libertação origina-se portanto da estreita relação entre o polo existencial, subjetivo e o polo político, objetivo, da busca e da libertação; entre projeto de vida e projeto de sociedade. Como bem expressa E. Dussel: "Não negaremos então a razão, mas a irracionalidade da violência do mito moderno; não negamos a razão, mas a irracionalidade pós-moderna; afirmamos a "razão do Outro" rumo a uma mundialidade transmoderna".