TEORIA CRíTICA DA PRÁXIS UTÓPICA A PARTIR DA FÉ.(*) HELMUT THIELEN BERLIN, ALEMANHA Pensar significa, hoje, preparar ao Espírito Santo o caminho, caminho este que habita, conceitualmente, junto às muralhas do mercado mundial; significa juntar sua chama à mecha da subversäo profana. I.Conceitualizaçäo da Teoria Crítica da Práxis utópica a partir da fé. A. Realidade e conceito de Praxis utópica 1.A realidade e o conceito da Praxis utópica concentram-se na categoria do Possível objetivo. Nele se cruzam os dois momentos do utópico: "ainda-näo" e "agora-já-ser" da vida plena e digna. Praxis utópica é o lado vivo e ativo desta categoria: no presente conflituoso o "já-ser" do bem aprender e, a par- tir deste início, ir ao encontro do "ainda-näo". Por outro lado, Praxis utópi- ca significa também opor-se às forças que objetivam a de-potenciaçäo do "já- -ser", postulando-o como "näo-mais". 2.Três perigos ameaçam a praxis utópica e indicam a necessidade da Auto- correçäo de sua dinâmica: o perigo da ideologizaçäo através da "transfiguraçäo" e consolidaçäo do poder através de fantasias postergatórias; o perigo da paralisia pela tentaçäo da exploraçäo da natureza, da economia do Ter e da política do Poder; e finalmente o perigo da cisäo entre seus diversos momentos constitutivos. 3.A reflexäo sobre o conteúdo utópico juntamente com estes três perigos é o programa da teoria como crítica da praxis utópica. A crítica é um momento mediador da auto-correcäo inerente à praxis utópica. Nesta mediaçäo é a críti- ca sempre prática, enquanto for preservada sua autonomia em termos de liber- dade do pensamento. 4.O conhecimento teórico toma sua característica forma de crítica apenas se e enquanto em sua constituicäo interna mesma um momento prático-utópico a ele se opuser. A utopia se constitui, acima de tudo, na forma crítica do conhecimento teórico, na medida em que ela confronta ao Possível real o intra- sistematicamente reproduzido 'existente' (Daseiende) positivo. Adorno: "O conhecimento näo tem nenhuma luz além da que ao mundo como redençäo (Erlösung) aparece. todo o resto se esgota em construçöes vazias e permanece um componente da Técnica" (Minima Moralia. Reflexionenn aus dem beschädigten Leben.- Frankfurt,1962,S.333). B.Fé e praxis utópica 1.A práxis utópica é a realidade da fé. A fé como modo de vida - e näo como Dogma, Culto, Ética - apresenta-se como tensäo entre "Reino deste mundo", "Reino de Deus" e Imitatio dei, ou seja sucessäo como Devenir do Reino de Deus. A experiência da fé a partir do ponto de vista de uma diferença que permanece (bleibend) entre a essência divina enquanto totalmente Outro e a possível completaçäo do Reino de Deus na terra(Karl Barth, veja-se o "Tamba- cher vortrag") é em relaçäo à praxis utópica triplamente constitutivo: -como a sua auto-crítica como momento de mudança interna; -como a sua diferença em relaçäo à falsa totalidade do sistema de poder e domínio que conduziriam à sua degeneraçäo (da Praxis utópica) como estratégias e ideologias de poder e domínio -como seu realismo específico. A fé "crítica" a realidade unilateral, na medida em que ela permanece em seu todo näo-identificada, por sua distância, com esta realidade mesma. Ela se constitui em uma modalidade do Fazer, a qual se distingue fundamentalmente das formas geralmente reconhecidas como Praxis. A Praxis é: Reconhecimento, doaçäo, Cooperaçäo, Reconciliaçäo, e näo Domínio, Ter e Fazer. O que é "vida" para nós passa-se na realidade do "Tu". Porém, sem um mínimo de base comum (Es-Welt) dos sistemas näo pode esta realidade se efetivar. A fé fundamenta o Realismo de que o Reino de Deus, enquanto näo deste mundo, mas para este mundo e nele, precisa preservar em si momentos de Necessidade (Not- wendigkeit). Mas o que interessa saber é se a fé até agora preponderantemente no sentido da necessidade e da morte, ou da liberdade e da vida se tem colocado. A visäo de Marx a respeito da relaçäo entre o Reino da Necessidade humanizado e Reino da Liberdade é pela efetividade da fé transformada no primado, do Reino da Liberdade. A comunidade em processo de libertaçäo da praxis subversiva constitui o Reino da Liberdade para si e como base para a determinaçäo do necessário. (Comuna, Comunismo para a realidade do Tu, socialismo para a conseqüente instituiçäo de uma base comum (Es), Anarquia(Anarchie) para ambos - estas säo as tradiçöes irrenunciáveis, infinitamente desvirtuadas e acusadas, e por causa disso imprescindíveis e necessárias). II.Sistema de Domínio e Alteridade - sobre a fundamentaçäo histórico-filosófi- ca da Praxis utópica a partir da fé. 1. O processo da civilizaçäo européia-norte americana desdobra-se como conexäo entre três estruturas de dominaçäo (Herrschaft) racional. Trata-se da apropriaçäo da força humana de trabalho como acumulaçäo de capital, do domínio da natureza em ciências naturais e técnica e da sujeiçäo )"dominaçäo" seria aqui metafórico) do ser humano no estado legal de poder como burocracia, polícia e instituiçöes militares. o desdobramento efetivo desta conexäo de poder é aqui chamado Techne. Sob este termo se entende a postulaçäo instru- mental de oposiçöes em si objetivas. 2.Techne é a dinâmica de domínio em oposiçäo a Praxis. Esta, pelo contrário, é a forma de ser (Daseisweise) da verdadeira vida, diferentemente do Fazer e do Feito, portanto alienado, portanto morto. A Praxis tem se dado apenas no externo, nos vestígios materiais e nos modelos interiores e vividos da vida desdobrada e reconciliada, realizada e por isso exitosa. Estes vestígios säo - como veios de metal precioso engastados na pedra - lançados à falsa totalidade do sistema. Praxis é a realidade em efetivaçäo, o seu lugar e o seu tempo, o tempo e o lugar do Näo-idêntico, do Exterior ao sistema repressivo ou - na positivaçäo externa ao sistema -da Alteridade. Como conceito crítico dirige-se a Praxis ao conflito entre a vida que se dá no encontro e na conciliaçäo e o sistema totalizado e dominador, observado a partir da perspectiva desta vida. 3. O modo fundamental da praxis é o relacionar-se dos seres e coisas no encontro como recíproco reconhecimento e promoçäo de seu "Assim-ser"(So-(Da-) Sein). Isto significa na relaçäo o Ser-outro e o Ser-para-si-mesmo- Ser- próprio com sentido próprio, o modo fundamental da Techne e ter poder sobre seres e coisas. Os meios de Ter e Dispor, pelos quais a Techne se objetiva como açäo instrumental, säo a técnica, o dinheiro e a hierarquia. Seus modos de divisäo säo o poder formal-racional, a troca, a atividade técnica. Apriorística e constitutivamente fecham-se estes meios à possibilidade do presentear e ser presenteado, que significam a qualidade essencial do relacionar-se. 4.A pré-história (Marx; ou a história natural da sociedade:Adorno) do gênero humano é determinada através deste conflito entre Sistema a Alteridade, Praxis e Techne. Através de suas variáveis formas de surgimento mostra ele uma estrutura invariante: a Ontolologia negativa da crescente efetividade do poder e da igualmente crescente possibilidade de liberdade. A conexäo estreita entre domínio da natureza e domínio do ser humano aparece nas formas "pré-históricas" como um dado invariável, e progride no sentido de se consubstanciar em uma unidade real. É, segundo Benjamin, "uma catástrofe única" (Thesen "Über den Begriff der Geschichte", G.S.1,1,, Frankfurt 1974, S.697). 5. O domínio social da natureza tem sido sempre a continuaçäo da violência (Gewalt) pré-existente na natureza mesma e de seu potencial de destruiçäo. "Zivilisation ist der Sieg der Gesellschaft über Natur, der alles in blosse Natur erwalndelt" (Horkheimer/Adorno, Dialektik der Aufklärung, Amsterdam, 1947, S.219). O desenvolvimento das forças produtivas na forma européia de ciências da natureza e técnica é duplamente conectado com a dominaçäo social: em primeiro lugar existe um parentesco estrutural harmônico dos pressupostos elementares das duas dimensöes: quantificaçäo, matematizaçäo e instrumentalizaçäo da verdade. E, em segundo lugar, igualmente concatenado nesta citada afinidade, encontra-se o papel funcional específico, papel este exercido pela técnica e pelas ciências da natureza na produçäo da mais-valia no processo de acumulaçäo capitalista. Nesta conexäo complexa resolve-se também o enigma que surge da constataçäo de que a destruiçäo da natureza mediada pela técnica caracteriza estratégias ainda näo capitalistas de modernizaçäo e industrializaçäo, tendo estas estratégias porém causas especificamente capitalistas, que se cruzam na economia de mercado com estas estratégias mesmas. Nas suas consequências atuais regride o domínio da natureza moderno ao estado pré-moderno de perigos naturais ameaçadores. Pós-modernamente crescem novamente os perigos naturais como resultado mesmo da modernidade (der Moderne). Eles näo significam natureza pré-técnica ou imediata, e sim säo, contra suas intençöes, o resultado mesmo do domínio da natureza, uma transformaçäo (Umformung) técnica e social das forças da natureza 6. O sistema de domínio racional, conforme foi esboçado até agora, é o Particular, que se faz passar pelo Todo em progressäo e disfarça desta forma sua particularidade e a repressividade que lhe é inerente. É o "Todo"("das Ganze") como "näo-verdadeiro"(das Unwahre)") como Adorno formulou contra Hegel (Erfahrungsgehalt. Drei Studien zu hegel, 104). Esta näo-verdade aparece ao Exterior, a quem permanece fora - por exemplo às crianças e jovens, aos ve- lhos, aos desempregados e estrangeiros, aos doentes e famintos, aos presos, torturados e marginalizados - seja qual for a forma desta marginalizaçäo, no "Terceiro Mundo" do sul e do leste como no interior do "Primeiro Mundo" - e, finalmente, à natureza devastada, O Olhar (Blick) mesmo do Sistema no Ex- terno (por exemplo segundo Parsons: sobre o "disfuncional" - semelhantemente a Luhmann) encobre a substância deste Exterior: ele é ser-outro (Anderssein) e sua dignidade, em estado de alienaçäo e ferimento, a Alteridade. Ela se corporifica na verdade da relaçäo do tu responsável e em comunidade. A situaçäo livre do diálogo (Gespräch) é um momento ocasionador de tal relaçäo verdadeira. Separado desta relaçäo verdadeira, reduz-se o discurso a um procedimento formal e oferece-se como complemento e ideologia do sistema. Isto aparece no uso inflacionário de termos como "diálogo", ética do discurso", "ética da responsabilidade", "comunidade de comunicaçäo". Habermas "neutraliza" (Verohnmächtigt) desta forma o elemento subversivo que o discurso sem poder poderia ter como Momento na comunidade viva sensível e ativa, na forma burguesa do mundo marginalizado como também na marginalizada e platônica comunidade de discurso. O conceito de Alteridade traz consigo um problema, que a Dialética do Esclarecimento européia pôde somente formular como tarefa näo resolvida: "Rettung der Aufklärung, die positive Beziehung zwischen dem Absolutem un dem Denken zu Bestimmen" (Max Horkeimer, Ges. Schrifte Bd. 12, Frankfurt 1985, p.594). 7. O conceito de Alteridade tem sido até hoje determinado abstratamente, como positivaçäo daquilo que a lógica da totalidade sitêmica exclui. Povo (e näo classe) é agora o conceito sob o qual a Alteridade se materializa histórica- socialmente. Como sujeito-objeto da política de libertaçäo opöe o Povo a força de sua abrangência, multiplicidade de procedência social (Vielchitigkeit) e contradiçöes à oficialidade organizativa e à ideologia. Este fato näo é nem de se idealizar, nem de se desprezar. Conceito e realidade do Povo incluem as classes determinadas por trabalho oprimido (abhängig) nem se limitar a elas. Povo indica ao mesmo tempo um problema central da política de libertaçäo que Max Horkeimer assinalou com clareza (veja-se "Das Schicksal revolutionärer Bewegungen" in: Ges. Schriften Bd.12, Frankfurt 1985, p.320-323). Uma forma de vida, sociedade dominante, precisa näo somente ser realmente rompida; sua barbárie interna näo pode também haver atingido o nível em que o povo se tenha deixado amortecer. Com relaçäo a isto pode ser observada desde os anos oitenta na América Latina a desagregaçäo e transformaçäo reacionária da cultura popular que surge pela sempre crescente repressäo à fé católica de esquerda (von linkskatholischen Glauben) por parte do fundamentalismo protestante. Também as favelas das grandes cidades pululam de violência, resignaçäo e acomodaçäo, sem que isto reverta a favor da libertaçäo política(veja-se César Rodrigues Rabanal, Überleben im Slum, Frankfurt 1990). II- Subversäo e Comunidade 1.Particularismo e derrota dos contra-movimentos (Gegenbewengungen) até agora. A cada uma das dimensöes de domínio acima caracterizadas correspondeu na história recente um contra-movimento vivo, uma específica forma de Alteridade e praxis. Contra a exploraçäo da força de trabalho pelo poder do capital revoltou-se o movimento socialista com a intençäo de efetivar o Comunismo. contra o Estado de poder formal-racional opôs-se o movimento Anarquista com a intençäo de efetivar a ordem sem-poder e sem-domínio. Contra a destruiçäo da natureza revoltou-se (ou rebelou-se) o movimento Ecológico, objetivando a natureza reconciliada. Cada um destes movimentos tinha como falha central o näo conhecer, ou conhecer insuficientemente, a verdade e necessidade de cada um dos outros movimentos, e o fato de com eles näo se conciliar. A este particularismo deve-se o fracasso daqueles movimentos. Fracassa o movimento socialista em sua dupla forma - como social-democracia reformista e como bolchevismo "revolucionário" - quando reconhece na ruptura do domínio científico sobre a natureza e das formas políticas de domínio näo mais do que estágios úteis para alcançar um determinado fim - ou seja, em desconhecimento tanto da verdade do anarquismo quanto da do movimento ecológico. A ainda recente direçäo da "política do meio ambiente"("ecológica) é posta em perigo, enredada pela política de utilizaçäo de capitais. Socialismo, como "ecologia", perdem desta forma sua propriedade como Praxis de libertaçäo dos oprimidos em direçäo ao seu ser-Outro e ser-para- si (Anders- und Fürsich-Sein); passam de Utopia e Crítica a Ideologia e Afirmaçäo, de potencial de libertaçäo a realidade de opressäo, tornam-se variaçöes da "sempre-a-mesma" dominaçäo progressiva. O Particularismo em sua concepçäo produz deste modo o Universalismo em sua funçäo afirmativa. (É isto que expressa o ditado popular:"quem ganha um dedo quer a mäo inteira"). 2. Praxis utópica como Socialismo utópico e anarquismo. A peculiaridade dos movimentos anarquista e utópico-socialista consiste em que eles apresentam potencial para uma Libertaçäo abrangente e integrada. No socialismo entende-se libertaçäo como a negaçäo da dominaçäo do capital, e se lhe opöe com sua crítica libertária do estado como o mais universal agente da libertaçäo como tal. Ela objetiva a supressäo da dominaçäo pelo capital e da violência institucionalizada como política. pois pertence à compreensäo da crise que principia a se dar pelo colapso da modernizaçäo (Modernisienrung) saber que a "qualidade de abstrato"(Abstraktheit) repressiva do sistema capitalista, bem como a do estado moderno, se constituem em momentos do projeto da modernidade. Estes momentos näo podem nem ser separados um do outro, nem ser postos em conflito, como parecia aos ideólogos do marxismo-leninismo e ainda parece aos ideólogos reformistas. Adiante remete a Revoluçäo das Necessidades (Revolution de Bedürfnisse) que está no cerne da Libertaçäo social ao potencial de "conciliaçäo" em termos de relaçäo com a natureza. Finalmente mostra-se visível, acima de tudo no Socialismo utópico, um outro Meio de realizaçäo fundamental: em vez de luta técnico-social, seja reformista, seja violenta, a Praxis primária da vida libertada no Aqui e no Agora e a subversäo fundamental näo-violenta da Dominaçäo e do Poder envolventes. A Praxis utópico-socialista e anarquista aparece, como no dito de Brecht a respeito do Comunismo, como a coisa simples, que é täo difícil de realizar. Suas dificuldades específicas; situar-se entre a deformaçäo terrorista e a integraçäo reformista. Mas o socialismo utópico e Anarquismo näo tem a mesma medida destes outros movimentos - e talvez näo tenham absolutamente - já em princípio de sua constituiçäo a convicçäo de um reconhecimento necessário do domínio do capital ou da violência do estado ou do domínio da natureza. A Praxis utópico-socialista e anarquista deve ser profundamente renovada neste momento, com pertinácia e paciência, no sentido de superaçäo de suas limitaçöes. A tradiçäo teórico-prática do Socialismo utópico e do Anarquismo é um "material", cuja crítica - preponderantemente imanente - poderia levar a um conceito amplo de Libertaçäo e de Praxis. Uma federaçäo de comunidades estatuídas em forma de conselho (RäteGemeinschaftten") poderia ser o substrato material a partir do qual os sinais já desenvolvidos de uma vida libertada poderiam tomar forma. Em tais comunidades diretamente democrática teriam näo por acaso um grande peso as formas ecológicas de economia agrária e produçäo manufatural, acrescentando-se a estas pequenos centros urbano-industrial-administrativos. Estes elementos possuem em si mesmos um potencial de forma mais adequadas de vida social do homem consigo mesmo e com a natureza. Assim seria também a tradiçäo agrário- socialista ultrapassada. A Utopia do trabalho em tais comunidades poderia ser com Crítica da Razäo Econômica de André Gorz triplamente determinada: como minimamente alienado, trabalho profissional adequado através da maximalizaçäo de seu substrato técnico (que seria por sua vez necessário "ecologizar"), como trabalho próprio concreto e pessoal (sinnlich-konkret), e como atividade autônoma livre em pequenas comunidades democraticamente estruturadas. 3.Subversäo e Sociedade. 1-.Comunidade(Gemeischaft) é o caminho e o objetivo da praxis utópica. Subversäo é a realidade da comunidade no processo de sua constituiçäo e possível multiplicaçäo. 2.- A subversäo mostra-se ativa de quatro formas. Ela é em primeiro lugar crítica apaixonada que acusa, opöem-se, julga (J`accuse!) - em forma näo- científica e näo-acadêmica. Com isto abala a crença de legitimidade e a lealdade - a capacidade de exercício - do sistema. Na mesma direçäo, em segundo lugar, atua com intransigente insubordinaçäo ao Sistema - a "grande Recusa" (Marcuse). A "grande Recusa" pode ser concretizada na rejeiçäo das três tentaçöes no deserto por Jesus: da tentaçäo de fazer de pedras päes - tecnologia de genes, meios técnicos de destruiçäo da natureza em geral; da tentaçäo de fazer bem com o mal, de expulsar o demônio com Belzebu, como tanto Max Weber sob título Ética da Responsabilidade como sociais-democratas e leninistas tentaram; e finalmente a tentaçäo de fazer a relaçäo das pessoas na sociedade entre si e com Deus dependente de condiçöes - simbolizada aqui pela exigência de salvaçäo por parte de Deus. Em terceiro lugar atua a subversäo com Praxis experimental das alternativas: o tornar-se pessoa e o fazer comunidade säo por si mesmos atos subversivos, como "propaganda de fato", modelo convincente. Ela contém sempre a oferta da inversäo (Umkher) e conciliaçäo entre vítimas-criminosos e criminosos-vítimas do sistema. A Subversäo é finalmente imediatamente combativa em forma de insurreiçäo civil. (como concretizaçäo veja-se Gandhi, compare-se também as cartas trocadas entre os irmäos Berrigan e Ernesto Cardenal e entre Mahatma Gandhi e Martin Buber). Revoluçäo como Subversäo "Para o revolucionário o mundo sempre esteve maduro" (Horkeimer,G.S. Bd. 5 1987, p.305). Esta maturidade mostra-se inicialmente näo ao nível de forças produtivas materiais - e isto acontece na maior parte das vezes apenas com aqueles que têm tempo, pois nestes a alma näo queima através da pele - e sim na a cada tempo correspondente injustiça, näo-liberdade, desumanidade sob as quais se vive e que provocam energias à revolta conseqüente. Em todas as sociedades de classe acontecem sempre de novo situaçöes de crise que se caracterizam, por um lado, por condiçöes insuportáveis, e por outro, por serem sementes de novas estruturas sociais e de disponibilidade de pessoas para a atividade libertadora. Cada uma destas situaçöes revolucionárias contém em si uma contradiçäo entre as forças e fatos sociais que de um lado a favorecem e de outro a incapacitam. Por isso existe a chance, em cada situaçäo de crise de uma sociedade de classes, de romper com a dominaçäo de classes e estabelecer uma vida em liberdade e justiça. Mas tudo depende da chance ser aproveitada ou näo. "Na realidade näo há um só momento que näo traga consigo sua chance revolucionária(...) a chance de dar uma soluçäo completamente nova a uma tarefa completamente nova" (Walter Benjamin, G.S. bd.I, 3,1974, p.1231). O principio da sociedade libertada é pelo menos täo antigo como as comunidades cristäs primitivas. "O Cristianismo primitivo poderia ter tomado a terra," diz Horkheimer (G.S. Bd. 12 1985, p.599), e todavia näo temos hoje, através do progresso havido, uma maior facilidade para estabelecer uma sociedade livre. "Mostrou-se que o Reino dos Pobres é a única forma social de escapar do Reino da Pobreza"(Tomás Borge, Meditation zu psalm 90, cit. conforme Helmut Thielen, Revolution des Glaubens,Hamburgo, 1991, p.146). Subversäo é o movimento verdadeiro no qual o conteúdo social se desdobra. A multiplicaçäo de conselhos, comunas, cooperativas desagrega por dentro o caráter da dominaçäo e do poder das instituiçöes. Ela combate na prática a indiscutibilidade das instituiçöes políticas e econômicas existentes na medida em que prova serem estas daninhas e supérfluas.(StellDir vor, er ist Kapitalismus, und keiner geht hin") e desagrega sua autoridade por meio dos escravos (Bakunin:"Só há escravos"). Ela demonstra a factibilidade de outras formas de produçäo, consumo e relaçöes sociais. A subversäo é em si o objetivo e o mais importante meio da luta política mesma. Quanto mais eficaz o trabalho de subversäo, tanto menos política de poder é necessária. Ela se torna supérflua pela superaçäo da falsa sociedade. Sua funçäo é garantir o espaço para a multiplicaçäo das comunidades. A tarefa decisiva da Subversäo é regular de tal forma a relaçäo entre subversäo e luta política, que a transformaçäo social permaneça sempre o fundamento da luta política que determine a necessidade desta luta política. O potencial libertador das forças produtivas materiais é efetivado por uma tripla integraçäo. Em primeiro lugar pode a troca de produtos, incluindo a relaçäo com a natureza, ser consideravelmente reduzida. Isto se passaria complementarmente a uma Revoluçäo das Necessidades como Libertaçäo da natureza humana. No interior da estrutura sócio-econômica depende a estrutura de necessidades do consumo alienado da opressäo de necessidades näo-alienantes - acima de tudo das necessidades de formas de ser de relaçöes pessoais ativas e competentes no interior de comunidades democraticamente estruturadas. Em tais comunidades, esta necessidade näo seria mais bloqueada, e a a partir disso se poderia solucionar nela a estrutura de consumo malignamente crescente. A consequência ecológica disto seria que a utilizaçäo da natureza poderia ser limitada à medida necessária para suprir as necessidades físicas e para fornecer o substrato material para a boa qualidade de vida social e cultural. Em segundo lugar, o sistema de utilizaçäo da natureza pelo progresso técnico tradicional poderia ser substituído por um outro paradigma de ciência natural e técnica a partir do apriori do "utilizar conservando" (por exemplo métodos e técnicas da agricultura ecológica). Em terceiro lugar, se ainda houvesse necessidade da tecnologia convencional esta desepenharia um papel muito secundário. Subversäo Ética O problema da ética permanecerá sempre infrutífero, enquanto for concebido na forma de oposiçäo entre Dever (sollen) e Ser (Sein). Esta oposiçäo abstrata é a forma clássica de "de-potenciaçäo" (Verohnmächtigung) da Ética por sua cisäo coma realidade. Esta neutralizaçäo continua a se processar na proposta de soluçäo que se apresenta como oposiçäo entre ética da responsabilidade e ética da consciência. Na ética da responsabilidade retorna a impotência da ética na medida em que se compreende Poder como um instrumento neutro que deve ser utilizado para atingir bons fins. Esta idéia é o modelo ideológico fundamental que na história do ocidente, desde a cisäo da cristandade, na forma católica de uma religiäo, sob a forma de estado, e na forma protestante sob o modelo de uma religiäo do estado piedoso, acompanhou a liquidaçäo da obrigatoriedade ética na praxis de dominaçäo e poder. O discurso da ética da responsabilidade denuncia sob o nome de "Gesinnungsethik", o caráter ireconciliável de toda a realidade constituída em forma de poder ou dominaçäo, e mostra desta forma sua fundamental concordância com esta realidade. Acima de tudo, porém, falta ao conceito de "Gesinnungsethik" a realidade que ele anuncia. Pois ela näo é nem consciência nem ética. Näo é consciencia, porque ela, a partir de uma interioridade cindida, tem a pretensäo de se realizar na totalidade de vida de uma determinada comunidade ampla, dando também por pressuposto uma irrenunciável interioridade da fé que se constituiria como passo de sua realizaçäo. Ética como dever também näo é ela, na medida em que tem importância para o principio e propagaçäo de um outro ser (eines anderen Seins). Entre Ética como Ethos, como forma de sociedade, e Utopia, existe uma mediaçäo produtiva. Na visäo utópica de uma vida boa, livre e justa tem o ético realidade na medida em que se apresenta como o "já-ser-agora" (Schon-Jetzt- Sein) de seu presente e como o "ainda-näo-ser" consciente(wissende - docta spes) de seu futuro. Na figura da Praxis utópica, na figura dos processos experimentais de realizaçäo de visöes utópicas da vida em comum (Gemeinschaftenleben) - que almejam estas características de liberdade, justiça e bondade da vida - apresenta-se o ainda-näo do futuro em sua presentificaçäo (Vergegenwärtigung) em seu já-agora, näo só como começo, como também no realizar-se de sua forma própria. A Praxis da Utopia e a realidade da Ética aparecem juntas no desdobrar-se subversivo da vida em comum. O conflito tradi- cional entre Ser e Dever é desta forma transformado naquele de Ser e Ser- Outro(Anderssein) em realizaçäo. Comunidade (Gemeinschaft) na teoria de Marx O conceito e a realidade da comunidade decidem se e em que medida pode ela ser suficiente para a satisfaçäo das necessidades dela dependentes - a partir da forma como ela se constitui nas instituiçöes de trabalho social. O conceito de comunidade de trabalho como núcleo das estruturas sociais comunitárias (em vez da mera comunidade de discurso(Diskursgemeinschaft) é a Cooperaçäo. Em seus excertos comentados esboçou Marx o possível conteúdo humano da idéia de Cooperaçäo. Este esboço desdobra-se em quatro momentos da relaçäo entre-humana, no sentido de Reconhecimento, Individualidade e doaçäo como sinais do trabalho social libertado, tendo como categoria básica "Comunidade". Seja citado o fim deste manuscrito: "Assim, enquanto ser humano teríamos produzido: cada um de nós teria em sua produçäo a si mesmo e aos outros duplamente afirmado. Eu teria 1. em minha produçäo, objetivado minha individualidade, a sua característica, e a partir daí teria demonstrado minha personalidade claramente visível (sinnliche anschaubare) - acima de toda dúvida - como poder superior, tendo gozado da vida tanto enquanto expressäo de vida durante a atividade, como no observar (Anschauen) do objeto. 2. No teu gozo ou no teu uso de meus produtos o gosto tanto da consciência de haver com meu trabalho correspondido a uma necessidade humana, como de haver objetivado a essência humana e a partir disto haver correspondido ao objeto da essência de outra essência humana. 3. sido para ti o intermediário entre tu e o gênero, quer dizer na medida em que fui sentido por ti tanto como tua própria essência em sua completaçäo, como uma parte de ti mesmo; ou seja, por saber haver sido por ti confirmado (bestätigen), tanto na dimensäo de teu pensamento como em teu amor, 4. teria em minha forma individual de expressäo da vida levado a cabo imediatamente a tua expressäo de vida, ou seja, teria realizado imediatamente em minha atividade individual a minha verdadeira essência, o meu "humano" (menschliches), a minha essência comum (Gemeiswesen). As nossas produçöes seriam assim espelhos, nos quais nossas essências se iluminariam mutuamente (...) O meu trabalho seria livre expressäo de vida, e por conseguinte gozo da vida (Genuss des Lebens)." (MEGA I, 3, Excerpte, 1935, p. 546 ss.). (Traduçäo de Ricardo Timm de Souza) Freiburg in Breisgau, 3 de maio de l992.Alemanha (*)Este trabalho é a versäo condensada de um texto mais amplo a ser publicado junto a outros trabalhos, no início de 1993, com o título :"Subversion un Gemeinschaft Befreiund Findet Hier un Jetzt Statt"(Veja-se também Thielen, H. Revolution des Glaubens. Religons philosophische versuche über Befreiung.1991 ) A brevidade do presente texto impede um tratamento mais amplo de conceitos como crítica, utopia, práxis, ética, etc.). (**) Nota do Tradutor: a extrema riqueza terminológica utilizada pelo autor, tanto na expressäo de suas idéias como na apresentaçäo de idéias de outros autores, dificulta sobremaneira a univocidade da traduçäo. Procuramos em cada caso utilizar os termos em português que mais se aproximassem da idéia que, em nosso julgamento, desejava o autor transmitir. A traduçäo das citaçöes também procede de nós, pois näo tínhamos em disponibilidade as eventuais traduçöes por ventura já existentes em língua portuguesa. A traduçäo das citaçöes somente näo foi realizada nos casos em que julgamos que esta dificultaria ainda mais a compreensäo da passagem, ou quando estas, segundo nosso parecer, perderiam sua expressividade. A traduçäo foi revisada pelo autor.