Imagem de Julio Cabrera
Incompreensão entre línguas (espanhol e português)
por Julio Cabrera - sábado, 12 outubro 2013, 12:49
 

Amigos:

Queria partilhar uma inquietação acerca da questão das línguas espanhola e portuguesa, surgida durante o congresso, que acho da maior importância dentro da temática da libertação, e que, creio eu, foi mal entendida na pressa dos debates.

Durante a conferência do professor Lutz Keferstein, do México, percebi as muitas dificuldades de compreensão da língua espanhola por parte do público brasileiro, especialmente quando Lutz se empolgava e falava muito rápido. Um problema é duplamente complicado quando não é percebido como sendo um problema; esta questão das línguas, em particular, é muito complicada porque as pessoas têm a falsa consciência de estar entendendo, baseado-se em que captam palavras soltas que depois emendam de maneiras que elas acreditam reproduzir o sentido geral do que está sendo exposto.

Como conhecedor razoável de ambas as línguas (depois eu respondo uma objeção da Magali, que ela me apresentou depois da conferência), posso me dar conta de como expressões chave em espanhol não podem ser captadas por brasileiros, e vice-versa (Um exemplo do primeiro: Lutz falou várias vezes, em certo momento da sua palestra, de uma defensa “a ultranza” de uma posição, e insistiu várias vezes nesta expressão; eu vi que o público brasileiro não entendia; esta expressão, como inúmeras outras, não são bem esclarecidas apenas mediante uma “tradução” semântica, mas precisam de uma explicação do seu uso pragmático em espanhol, o que não é fácil).

Os exemplos de mútua incompreensão entre as línguas espanhola e portuguesa podem se multiplicar: em agosto passado estive palestrando no Encontro Nietzsche, em Campinas, organizado por Scarlett Marton, e ela quis “fechar com chave de ouro” o evento com uma mesa hispano-americana composta por uma professora argentina e um professor colombiano, ambos falando espanhol; no final, quando se abriu o debate, quase nenhuma pessoa do público se animou a participar ou a colocar uma questão, depois das veementes discussões ocorridas nas outras mesas; as pessoas comentaram depois a dificuldade de entendimento das falas e o receio de colocar uma questão baseada em mal entendimento. Recentemente, Rafael Alves, um membro do meu grupo Fibral, foi num evento latino-americano de estudantes em Minas Gerais e contou como durante as falas em português os estudantes hispânicos se desligavam totalmente, incapazes de acompanhar, e os brasileiros se desligavam durante as falas hispânicas. Eu mesmo, durante a Semana de Filosofia de 2011, tive que traduzir quase frase por frase para o professor argentino convidado as falas dos estudantes do Fibral.

O que é ruim é que ninguém se atreve a manifestar que não está entendendo, em parte por vergonha, em parte por orgulho, em parte porque, talvez, acredita realmente não estar perdendo nada de importante. Neste sentido, no Congresso de Filosofia da Libertação aconteceu algo de extraordinário: pela primeira vez vi uma pessoa – um senhor cujo nome não guardei, talvez vocês lembrem – que levantou a mão e pediu ao expositor mexicano falar mais devagar porque simplesmente não estava entendendo. Isto já seria um passo à frente na solução deste curioso problema ao qual os filósofos não estão dando importância, mas que parece ter um vínculo profundo com a questão da libertação.

A minha proposta (bastante impopular, pelo que tenho percebido) seria que os professores brasileiros deveriam estudar espanhol sistematicamente (abandonando a ideia falsa de que são línguas “parecidas” e que não se precisa estudá-las, e a piada de mal gosto de que “espanhol é português mal falado” ou vice-versa) e tentar apresentar seus trabalhos em espanhol quando vão para algum país da América hispânica; e que os visitantes hispânicos deveriam estudar sistematicamente português e tentar de apresentar seus trabalhos nessa língua quando vêem ao Brasil. Isto não seria apenas importante para consolidar um entendimento sério e profissional das conferências e palestras (indo além dos “chutes” de ambos os lados), mas também um fator de integração latino-americana e, especialmente, de libertação, porque as línguas não são apenas ferramentas, mas formas de vida e de cultura que devemos compreender. O “Obrigado!” com o qual, às vezes, terminam suas palestras em espanhol os visitantes hispânicos é como a ostentação do único e derradeiro esforço que eles estariam dispostos a fazer para entender a língua do outro.

Usando um argumento ad hominem, Magali questionou depois meu próprio português ao colocar eu esta questão; mas não creio que brasileiros e hispânicos devam conhecer perfeitamente a língua um do outro; cada um poderia esforçar-se por ter um conhecimento mínimo. Há o erro recorrente de pensar que porque uma pessoa fala uma língua com sotaque não a está falando corretamente; o sotaque é algo difícil de perder (e nem creio que seja desejável perdê-lo); se a minha questão foi entendida lá no congresso foi porque a coloquei em correto português; dita em espanhol – e com a veemência com que costumo falar – muito da questão se teria perdido.

Esta questão das línguas não é uma questão menor, pois há coisas mais profundas por trás dela. George Bernard Shaw disse uma vez que ingleses e norte-americanos estavam “separados pela mesma língua”; se poderia dizer de Brasil e Hispano-América que são povos “separados pela semelhança de línguas”. Mas as línguas não podem constituir obstáculos objetivos de entendimento a não ser a partir de projetos políticos. É óbvio que os inconvenientes poderiam ser facilmente superados mediante esforços recíprocos; o problema é entender por que esses esforços não estão acontecendo e por que não há vontade de empreendê-los, sendo que tanto brasileiros quanto hispano-americanos fazem enormes esforços, por exemplo, para aprender grego, alemão ou francês. A questão primária é: o que mostra sobre as difíceis relações entre Brasil e Hispano-America o fato de nenhuma das partes estar disposta a fazer qualquer esforço de comunicação mais profunda? Esta questão é importante precisamente por não ser uma questão linguística, mas uma questão política.



Abraços, Julio Cabrera.
foto
Re: Incompreensão entre línguas (espanhol e português)
por Diógenes Francisco de Sousa Gomes - sexta, 15 novembro 2013, 05:27
 
Saudações amigos filósofos! de fato existe barreiras linguísticas que devem ser superadas, pois realmente é uma questão politica e histórica, vindo desde os tempos do Brasil colônia e da América espanhola, existindo ampla dificuldade nos estudos da libertação, esta por sua vez seria possível resolvendo por sua vez esses preconceitos e barreiras impostos por elites dominantes.

A solução creio que já é providenciada, por outro lado faço cursos de espanhol sempre que posso, atualmente me encontro no Nível dois e isso pode acarretar em suportes que me ajudem enquanto pensador, e se todos podermos ter chances de nos esforçar para diminuir as barreiras poderemos fazer um segundo congresso ainda melhor, saudações e abraços companheiros filósofos.
Imagem de Arquivo IFiL
Re: Incompreensão entre línguas (espanhol e português)
por Arquivo IFiL - sexta, 15 novembro 2013, 10:35
 
Julio e demais colegas, saudações. Julio, penso que sua preocupação seja legítima.

Desde 2002, tenho lido Filosofia da Libertação, em 2008, decidi no TCC da graduação em Filosofia traduzir uma obra introdutória ao pensamento de Enrique Dussel (http://hamatos.wordpress.com/materiais-gratuitos-sobre-filosofia-latino-americana-e-brasileira/introducao-ao-pensamento-de-dussel-revisado/), basicamente por este motivo, mas também por outro, a saber:

Muitas pessoas começam a ler Enrique Dussel ou outros filósofos da libertação e latino-americanos por suas obras mais atuais e deixam a desejar, a meu ver, na interpretação de muitos conceitos que têm seus pressupostos em obras anteriores, de fundamentação.

Discordo da solução que apontas. O ideal, seria que nos entendessemos cada um em sua língua e isso não fosse barreira. Que eu fale em português e seja entendido em toda hispanoamerica. E que eles possam vir aqui e serem entendidos em sua língua. Bem como os falantes de inglês, francês, chinês e de alemão... Entretanto, apesar de o mundo ser globalizado, a educação não o é. E a própria globalização neste modelo de sociedade, é desigual. É para dominantes e dominados. Centro e Periferia. Assim sendo, apesar de termos o espanhol como nossa segunda língua oficial, obrigatória na educação básica, não temos esta prática. Não estão ensinando sequer a língua portuguesa nas escolas. Como exigir que aprendam outros idiomas?

Acentuando o problema que apontas, vejo a grande maioria dos filósofos, filósofas, intelectuais... não importando-se com a educação básica de nosso país. Simplesmente ignorando o problema e perpetuando a herança eurocêntrica da filosofia, mesmo sob o título de libertação, ou latino-americana. Preocupados com terminologias e minúcias, analiticamente e sistematicamente importando-se com problemas de esfera hiper-metafísicas quando problemas existenciais nos assolam e impedem, por exemplo, que tenhamos as condições de possibilidades de um mínimo filosofar autêntico.

Assim, ressalto: a problemática da incompreensão do espanhol é um problema e devemos estudá-los e além da detecção do problema, criar condições de possibilidades de resoluções. Sempre trabalho textos em espanhol com discentes em todas as disciplinas que dou, atualmente: Antropologia Filosófica, Ética e Filosofia Latino-Americana (todas em perspectiva de libertação). Sei - porque pergunto exaustivamente a el@s- que até aqui, todos discentes que têm aula comigo, se quiserem, têm a condição de possibilidade de entender minimamente uma conferência em espanhol.

Entretanto, acentuo: não é um dos maiores problemas que temos a pensar e criar caminhos para resolução, na educação básica de nosso país. Para quem leu as obras introdutórias de um Dussel (para não citar Lévinas), por exemplo a que indiquei acima, bem sabem que a compreensão total de qualquer coisa é impossível. Penso que até aqui, vale a máxima: quando tiver dúvida e interesse em esclarecê-la, pergunte. E a possibilidade de esclarecimento deve ser dada. Isso creio ter sido realizado bem no congresso. A mim, me basta que sejam garantidas estas condições e cada um que fale fique livre para falar no idioma que quiser, dadas as possibilidades de esclarecimentos e mínima comunicação possível do que se fala. Cada um se interessará mais em determinados temas de acordo com seu interesse. Estas falas de congresso, acredito serem, para divulgar temas de pesquisas pessoais e de grupos. Não se pretende, espero, que se compreenda temáticas complexas como costumam ser, em sua totalidade. A opção por diversas falas sobre diversas temáticas, penso ser essencial, não importando o idioma. Pois despertará os interesses já existentes nas pessoas.

Bom, não sei se me fiz entender, me coloco à disposição para continuarmos pensando isso, proponho, inclusive, que se crie um grupo de estudos de espanhol e este crie materiais didáticos para todos os grupos aqui presentes e quiçá que possamos possibilitar acesso a estes na rede, abertamente. Mas...Temos as condições de possibilidade para isso?

Um abraço a tod@s!
Continuemos as conversas...
Imagem de Julio Cabrera
Trabas entre idiomas?
por Julio Cabrera - sábado, 7 dezembro 2013, 10:07
 
Estimados Hugo, Diógenes y colegas:

Muchas gracias por sus respuestas a mi cuestión sobre la mutua incomprensión de las lenguas española y portuguesa.

Antes de nada, tengo una pregunta técnica que me gustaría que me contesten: cuando ustedes remiten un mensaje en el Fórum, yo no me entero de eso en mi buzón; cómo hago para saber que hay un mensaje de alguien? (porque, a veces, pasan varias semanas en que, por diversos compromisos, no hago el acceso al sitio del Iphil). Yo ya seleccioné la opción: "Mande copia de los mensajes...", pero no recibo nada. Estoy cometiendo algún error?

De aquí a algunos días voy a remitir mi respuesta a la cuestión, pero me puse muy contento de ver que mi problema no causó malestar, a pesar de la vehemencia en las discusiones (propias de un hispánico de sangre caliente). Adelanto que yo estaría de acuerdo con la solución de Hugo si se ampliara a todas las lenguas: que los británicos hablen inglés aquí, pero que yo pueda hablar castellano en el país de Gales (y que ellos entiendan). Si no, la colonización linguística continúa. Pero, de cualquier maneira, hay que estudiar las lenguas extrañas (aunque no se las hable), y no simplemente confiar en que "son parecidas".

Abrazos, Julio Cabrera.

PD. Tendría un anhelo: que Magali contestase algo a la cuestión de nuestra plática. Y otra: que Lutz pudiera leernos, porque creo que se puso un poco tenso con mi planteo.



Imagem de Julio Cabrera
Ainda sobre Incompreensão entre línguas (espanhol e português) (Resposta a Hugo)
por Julio Cabrera - sábado, 8 fevereiro 2014, 08:40
 

Amigos do Fórum:

Vejo que este fórum está muito parado, e fico preocupado com isso; por que não são colocadas outras questões e por que não estamos debatendo mais por este espaço?

Para tentar dinamizar, vou responder ao Hugo acerca da incompreensão mútua das línguas espanhola e portuguesa (embora eu lute contra a tendência da maioria de pensar que isto não é um problema importante para uma filosofia da libertação).

Eu apresentei uma solução ao problema e Hugo apresentou outra; a minha é que brasileiros sejam capazes de falar espanhol em países hispânicos, e hispânicos sejam capazes de falar português quando vem ao Brasil; acho isto, inclusive, uma questão de respeito (Insisto: o “Obrigado!” com que os conferencistas hispânicos costumam, sorridentes, acabar as suas exposições, parece-me altamente ofensivo para o público brasileiro; apenas a proverbial simpatia do brasileiro não permite que isto se evidencie em toda a sua deselegância).

Hugo acredita que não se precisa que cada um fale a língua do outro (o que ele chama “importar o idioma”), mas que cada um fale sua própria língua e tenha pleno entendimento da língua do outro, pedindo esclarecimentos quando precisar. Ora, a questão é que, para qualquer uma das duas soluções, precisa-se que o brasileiro estude sistematicamente espanhol e o hispânico estude sistematicamente português, porque apenas por “chute”, por hipóteses baseadas no “parecido” e por palpites, o brasileiro não apenas será incapaz de falar espanhol (minha solução), mas será também incapaz de entender o que o outro fala (solução do Hugo).

O problema político aqui é: por que os hispânicos estão tão pouco dispostos a aprender sistematicamente português (e muitos brasileiros tão pouco dispostos a estudar sistematicamente espanhol), sendo que todos eles engolem obedientemente uma conferência em inglês sem qualquer problema, ou inclusive em francês ou em alemão, às vezes se gabando de entender tudo sem tradução simultânea? Isto é uma típica situação de colonização simbólica, de assimetria cultural contra a qual não lutamos. Eu creio que devemos começar pelas emancipações culturais mais modestas, as que estão mais ao alcance da mão e parecem até banais, como esta questão das línguas.

Hugo salienta que “a compreensão total de qualquer coisa é impossível”, e que “não se pretende que se compreendam temáticas, complexas como costumam ser, em sua totalidade”; mas uma coisa é não compreender totalmente uma temática pelo seu conteúdo complexo, e outra muito diferente é não compreender simplesmente porque se desconhece uma palavra ou uma construção gramatical de frase; isto último nada tem a ver com a complexidade do assunto, mas com simples não domínio do instrumento de comunicação; sem saber espanhol, nem sequer posso entrar na “complexidade dos problemas” que o conferencista mexicano ou espanhol está tentando transmitir; não deveríamos dissolver o problema das línguas na questão da complexidade dos problemas; para acessar a complexidade dos problemas já temos que dominar minimamente uma língua.

O problema político que deveria nos importar é: por que os membros das comunidades filosóficas latino-americanas estão tão motivados em superar os problemas de compreensão do grego ou do alemão, e não os de português e espanhol? Hugo diz que “cada um fique livre de falar no idioma que quiser, dadas as possibilidades de esclarecimentos e mínima comunicação possível”, mas a questão política é que eu não posso aplicar essa regra quando estou em Paris ou nos EU, não posso falar a minha própria língua quando estou lá; enquanto sou obrigado a falar inglês mesmo no Brasil quando vem aqui um conferencista estado-unidense. Acrescentando que os “pedidos de esclarecimento” se tornam impossíveis, por exemplo, assistindo uma conferência em espanhol falada a toda velocidade, como foi a do Lutz; pedir esclarecimentos como, quando, a que velocidade?

Hugo, a tua ideia de criar um grupo de estudos de espanhol (pelo menos de espanhol filosófico, por exemplo, a través de leituras de grandes filósofos dessa língua, como Ortega, Unamuno e Zubiri) é extraordinária, e gostaria poder contribuir com ela de alguma forma que este grupo sugerir.

Obrigado, Gustavo, pela tua resposta à minha apresentação.

Abrazos a todos, Julio Cabrera (Brasília).
Imagem de Arquivo IFiL
Re: Ainda sobre Incompreensão entre línguas (espanhol e português) (Resposta a Hugo)
por Arquivo IFiL - sábado, 8 fevereiro 2014, 20:08
 
Olá Julio e colegas. Concordo que as atividades por aqui estão muito paradas. O NEFILAM retoma suas atividades em 24/02 e fará uma agenda para 2014 baseado nas temáticas dos grupos aqui sugeridas. Julio, concordo com esta questão de domínio cultural pensar que não precisa falar ou bem compreender o espanhol/português enquanto há um esforço significativo para outros idiomas. Pensando nesta questão, o Nefilam já tem como proposta para o primeiro semestre a tradução de uma obra (Metáforas Teológicas de Marx) e um ciclo de conferências (16 Tesis de Economia Política) do Dussel, para o primeiro semestre. Vamos conversando...